A ferrovia Norte-Sul…

Por José Reinaldo Tavares

Na minha longa vida profissional participei, sempre como protagonista, de grandes projetos brasileiros. E naturalmente, por serem grandes e estruturantes, mexeram e contrariaram enormes interesses econômicos e até ideológicos.

Posso citar três desses projetos: a Ferrovia Norte-Sul, a Transposição do São Francisco e a Vila do João no Rio de Janeiro. Neste artigo falarei apenas do primeiro. Dos outros falarei em outros artigos.

O projeto da Norte-Sul começou quando o presidente José Sarney, logo nos primeiros dias de governo, me pediu que estudasse uma ligação ferroviária entre o Norte e o Sul do país que ele queria construir. Era um grande e necessário projeto para um país continental como o nosso. Bastava olhar para o que existia em países com extensão territorial comparável ao nosso para verificar a importância do projeto que estava sendo encomendado pelo presidente. Aliás, nos primeiros Planos de Viação Nacional, ainda nos tempos do Império, estava lá o traçado das Ferrovias Norte-Sul e Leste-Oeste, ambas iniciadas no meu período de Ministério dos Transportes. Mas, como essa última interessava de perto a importantes empresários do Sul, ela nunca despertou nenhuma polemica.

Quando o presidente me deu essa missão me entregou um papel com um traçado do que poderia ser o traçado básico da FNS. Era um traçado quase igual ao que constava dos primeiros planos nacionais de viação, o que mostrava claramente que não era uma invenção de um presidente do Norte-Nordeste, mas sim, uma necessidade imperiosa de um país continental como o nosso. O Brasil estava atrasado, mas precisava muito desses novos projetos.

Com a missão na mão e sabendo que a Rede Ferroviária estava decadente e falida, voltei a vista para a Vale do Rio Doce, empresa estatal, que havia recém-construído a ferrovia mais moderna do Brasil, a Ferrovia dos Carajás, de bitola larga de 1,60 m, com trilhos pesados e dormentes de concreto, capazes de suportar grandes cargas e transporta-las a altas velocidades. Decidi que a Vale seria o meu apoio para desenvolver o projeto, embora ela não fizesse parte do cronograma do Ministério dos Transportes.

Procurei Eliezer Batista, um homem muito respeitado, que foi capaz de transformar a Vale em uma das maiores e mais rentáveis empresas do mundo. Ele foi a Brasília ao meu encontro. Eu expus a ele o projeto e ele gostou imediatamente. Discuti com ele a melhor maneira para tocar o projeto e falei que tinha a ideia de propor ao Congresso a criação de uma empresa pública para preparar o projeto de engenharia e depois as obras. Ele me falou que não precisava porque a Vale tinha várias empresas na prateleira e indicou a Valec, especializada em ferrovias e que bastava transferi-la para o ministério dos Transportes. Assim foi feito. Em seguida pedi emprestado pessoal especializado, que tivesse tido participação ativa na construção de Carajás, e com esse pessoal compus a diretoria e o grupo técnico da Valec.

A guerra contra o projeto tomou uma força gigantesca. Toda a imprensa do Sul, que faz opinião no país, ficou contra e inventaram que o Rio Araguaia, que fica quase raso no verão, seria uma solução muito melhor, tão melhor que até hoje não existe essa alternativa, mesmo porque um rio não é uma hidrovia, longe de sê-lo. Mas, o objetivo era não deixar o projeto da FNS ser implantado. Foram tempos difíceis e tudo ficou pior quando resolvemos fazer as licitações das obras.

Dei toda a iniciativa para a Valec e eles resolveram repetir o que tinham feito na Vale, que tinha sido um sucesso. Eram dezoito trechos ao todo. A Valec fez o orçamento e permitiu uma variação de 10% para mais ou para menos. Os trechos se equivaliam e as melhores classificadas tinham o direito de escolher qual o da sua preferência. Haviam dezoito empresas classificadas cada qual com a sua nota e uma que tentava entrar, mas, não tinha currículo na época, que lhe permitisse ficar na frente das dezoito melhores. As notas foram fornecidas na fase de classificação e ficou fácil para quem participava, conhecendo as notas, desenhar o resultado da licitação. Essa empresa hoje grande e muito enrolada na Lava Jato levou o resultado a um jornalista de São Paulo que colocou um anuncio cifrado com os vencedores da licitação e isso causou um escândalo enorme. Embora a licitação fosse transparente e limpa, sem sobre preços, não havia como manter o resultado e mandei anular a licitação. Seguiu-se um tempo de apurações e investigações pelo Ministério, pela Policia Federal e pelo Ministério Público. Tudo apurado, só dois anos mais tarde conseguimos fazer um trecho, que deixamos pronto, entre Açailândia e Porto Franco.

Hoje todos querem a Norte Sul. Até o Rio Grande do Sul quer que a ferrovia chegue até o estado.

E porque resolvi escrever tudo isso agora? Os jornais de ontem mostram que os russos querem administrar a ferrovia que irá a leilão em fevereiro do ano que vem para escolha de um operador. O presidente Temer vai discutir na Rússia, nesta semana, em viagem aquele país, essa possibilidade. Ele está sabendo que os chineses também querem.

Isso seria muito bom para o país pois eles, além de investirem e conclui-la, trariam muita carga para ela em direção ao Porto do Itaqui.

Hoje é unanimidade, muito longe do enorme sofrimento que tivemos que aguentar para torná-la realidade.

Tudo muda!