A fábrica de pesquisa…

De onde vêm e a que interesses servem as pesquisas que inundam o noticiário indicando quem será o próximo presidente – mas quem acredita nelas?

Revista Oeste – Em maio do ano passado, a edição 62 de Oeste chamou a atenção para um fenômeno em curso no Brasil: a multiplicação de pesquisas eleitorais, algumas com disparidades gritantes, replicadas à exaustão pela imprensa.

Nos meses seguintes, o volume de levantamentos aumentou.

E o brasileiro acostumou-se a acordar ao menos uma vez por semana com uma manchete indicando quem deverá ser o próximo presidente da República. Mas qual é a explicação para essa usina de sondagens eleitorais?

Há algumas respostas. A primeira é que, cada vez mais, instituições financeiras, empresas e veículos de comunicação querem se sentir parte do jogo político. Como a mídia repercute qualquer notícia contra o governo Jair Bolsonaro, por exemplo, visibilidade já é negócio garantido. Contudo, não há – nem são exigidos – registros em jornais, sites, revistas ou emissoras expondo detalhadamente o questionário nem a metodologia aplicada. Eles publicam e ponto.

Outro dado importante é que a pandemia barateou um processo que já fora trabalhoso e caro. Muitos desses levantamentos nem sequer são feitos em campo – mas, sim, por um computador, por meio de ligação telefônica, ao custo de, no máximo, R$ 0,10 – ou nem isso, conforme o pacote de dados. Isso, convém frisar, não é uma “jabuticaba”. Nos Estados Unidos, hoje em dia também funciona assim, como ocorreu na disputa entre Donald Trump e Joe Biden.

O processo é similar ao usado pelas operadoras de TV por assinatura, por exemplo, para atender um cliente que liga para reclamar da oscilação do sinal. Só que nas pesquisas é o robô que faz a ligação e pergunta: “Se você acha que o governo é bom, disque 1; se acha que é regular, disque 2; péssimo, 3”. Há menos de uma década, uma pesquisa encomendada a um instituto tradicional não custava menos de R$ 200 mil – valor repartido entre uma emissora de TV e um jornal ou revista.

É natural questionar se, de fato, as empresas de pesquisa sabem a veracidade das informações de quem está do outro lado da linha – e se alguém atendeu, de fato, à chamada. Mas elas parecem ter descoberto uma fórmula infalível: quanto pior o resultado para Jair Bolsonaro, maior a exposição na mídia e nas redes sociais. É um tiro certeiro.

Quem financia?

As instituições financeiras, especialmente os bancos de investimentos, também enxergaram nas pesquisas que levam a própria assinatura um bom negócio para atrair e fidelizar clientes. Tornaram-se produtos oferecidos aos interessados em descobrir qual será o desfecho do instável cenário político brasileiro. Seguramente, muitos leitores já receberam em algum grupo de WhatsApp a mensagem de um amigo dizendo que iria compartilhar dados de uma pesquisa do banco X ou Y. Ou seja, não é preciso mais ler o jornal para saber o resultado: o cliente tem ou recebeu em primeira mão.

Em dezembro, um levantamento do site Poder360 revelou que, desde outubro de 2020, instituições financeiras e empresas pagaram por 22 pesquisas sobre as eleições deste ano. Nenhuma delas feita por institutos que os brasileiros já estavam acostumados a ver no noticiário, como o Datafolha ou o Vox Populi. São novos “cientistas” de dados, que encontraram um nicho de mercado.

Como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) só impõe regras para a realização de sondagens dentro do ano eleitoral, até o último dia de 2021 essa foi uma verdadeira terra sem lei. Esse cenário mudou neste mês, quando todas as entidades passam a ser obrigadas a fazer registro prévio do material – o cadastro precisa ser protocolado até cinco dias antes da divulgação, conforme o artigo 33 da Lei 9.504/1997, a Lei das Eleições. Com certeza, o volume de pesquisas vai refluir, porque os critérios são rígidos, e a divulgação sem o aval do TSE – o que inclui plano amostral, quem financiou e onde foi feita, por exemplo – constitui crime.

Provavelmente, as próximas sondagens não vão ter no questionário perguntas como as feitas pelo Vox Populli em maio do ano passado: “Pelo que você viu ou ficou sabendo, você acha que Lula e o PT foram perseguidos nos últimos anos, com o impeachment da Dilma e a prisão de Lula, ou não houve uma perseguição contra eles, foram tratados da mesma maneira que outras lideranças políticas e partidos?”. E ainda: “Quanto Bolsonaro é responsável pelas mortes por coronavírus no Brasil?”.

Por que erram tanto?

Se as pesquisas eleitorais fossem uma ciência 100% séria – e não servissem de ferramenta de campanha nem máquina de “cliques” na internet -, as páginas dos jornais no dia seguinte às urnas não seriam povoadas por analistas tentando justificar erros crassos. Isso já ocorre no Brasil há pelo menos uma década. As teorias são as mais estapafúrdias possíveis: o instituto tal conseguiu flagrar uma onda de crescimento de última hora, a abstenção recorde foi decisiva por causa das chuvas – ou do sol, se o domingo for propício para praia. A manchete favorita na manhã de votação é quase sempre igual: os candidatos chegam em empate técnico no dia “D”.

No último pleito municipal, por exemplo, o Ibope informou, na véspera, que a comunista Manuela D’Ávila tinha vantagem numérica de 2 pontos porcentuais sobre Sebastião Mello (MDB). Até ela acreditou. Deu entrevistas em êxtase e por pouco não anunciou um futuro secretariado. Mello foi eleito com quase 55% dos votos. Em Vitória (ES), não foi diferente. O mesmo instituto afirmou ter captado um crescimento vertiginoso do ex-prefeito petista João Coser, que estava empatado com Delegado Pazolini. Sites e perfis de esquerda comemoraram a virada contra o “bolsonarista”. Pazolini ganhou com mais de 58% dos votos.

Há quatro anos, ocorreu o mesmo nas disputas pelos governos de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Os principais institutos não cogitavam os eleitos Romeu Zema (MG) e Wilson Witzel (RJ) sequer no segundo turno. Em solo mineiro, só estavam no páreo o então tucano Antonio Anastasia e o petista Fernando Pimentel. O desconhecido Zema foi eleito no segundo turno com 72% dos votos. Witzel também ganhou, mas acabou deixando o governo pela porta dos fundos por excesso de bandalheiras.

Na corrida presidencial, ninguém errou mais feio do que o Datafolha, quando publicou, dez dias antes do pleito, que o petista Fernando Haddad venceria Jair Bolsonaro “em qualquer cenário”. O Vox Populli foi além, a ponto de sites como o da própria Central Única dos Trabalhadores (CUT) e outros satélites celebrarem a virada nas últimas horas. “A virada de Haddad foi em cima dos indecisos, que estão optando pelo petista, quando entendem o que está em risco”, disse na época Vagner Freitas, presidente da central.